Reconhecendo e apoiando a Ciência Ecológica Brasileira em tempos incertos

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Ecology in Brazil web ad 300x250Esta edição virtual celebra os mais de 70 anos de pesquisas ecológicas lideradas por instituições ou pesquisadores brasileiros e brasileiras nas revistas da Sociedade Ecológica Britânica (British Ecological Society; BES). Embora o primeiro artigo científico liderado por um pesquisador basedo no Brasil tenha sido publicado no periódico Journal of Ecology em 1948, levou-se mais de 40 anos para que o próximo manuscrito envolvendo uma instituição brasileira fosse publicado. No entanto, desde 1988, a contribuição da ciência brasileira para os periódicos do BES vêm aumentando rapidamente – até o momento, já publicamos 286 estudos envolvendo instituições brasileiras. Em 2018, 42 estudos envolvendo instituições Brasileiros foram publicados nos periódicos do BES, representando 2,1% de todas as publicações no mesmo ano – uma porcentagem próxima da contribuição do Brasil para a população (2,7%) e o PIB global (2,4%), mas que fica muito aquém da contribuição do país para a área terrestre (5,7%) ou diversidade de espécies (pelo menos 13%) do nosso planeta. A participação de editores e revisores associados das instituições brasileiras também aumentou; o periódico Journal of Applied Ecology, por exemplo, apresenta cinco editores associados baseados no Brasil. Em um mundo em que a ciência ecológica vem sendo dominada por instituições da Europa, América do Norte e Oceania, o Brasil tem se destacado como uma notável história de sucesso.

Esses avanços na ciência brasileira são resultados de investimentos em pesquisa e capacitação, grandes investimentos na qualidade e número de cursos de ecologia e uma abordagem internacional e colaborativa que permitiu um alto nível de liderança do Brasil em iniciativas globais, tais como a Plataforma Intergovernamental de Política Científica sobre Serviços de Biodiversidade e Ecossistemas (IPBES).

A continuação desses investimentos é essencial. O Brasil possui uma incomparável riqueza ecológica, por exemplo abrigando todo o bioma da Caatinga, grande parte do Cerrado, Mata Atlântica e Pantanal, e 60% da Amazônia. No entanto, esses ecossistemas também enfrentam muitas ameaças. As mudanças no uso e cobertura do solo vêm avançando e suas consequências são agravadas por outros múltiplos estressores, desde as mudanças climáticas até o aumento na distribuição de espécies invasoras. O Brasil também apresenta o maior número de espécies de aves ameaçadas ou extintas – um indicador preocupante para um país de escala continental, especialmente porque é provável que seja uma subestimação do status da ameaça real.

Felizmente, a ciência ecológica brasileira vem desempenhando um papel fundamental na compreensão dessas ameaças e na avaliação da eficácia das políticas existentes – por exemplo, Ribeiro et al. examinaram como distúrbios crônicos estão estruturando a biota da Caatinga, enquanto que Leal et al. destacaram a inadequação da legislação ambiental para conservar as super-diversas assembléias de peixes dos pequenos riachos amazônicos. A ecologia brasileira também está fornecendo soluções inovadoras e orientando melhores tomadas de decisões, incluindo o desenvolvimento de novas metodologias com maior relação custo-benefício para restauração, mudando paradigmas do manejo do fogo no Cerrado, subsidiando medidas eficazes para o controle de pragas em cafezais e também destacando o importante papel do contato com a natureza em guiar as percepções das pessoas sobre conservação.

Transformar ciência de qualidade em políticas públicas exige ir além do mundo acadêmico, incluindo o envolvimento com políticos e tomadores de decisões. Isso é crucial em países como o Brasil, onde a alteração do Código Florestal – uma das leis ambientais mais importantes do país – aconteceu sem levar em consideração as múltiplas bases científicas existentes. Desta forma, é bem significativo que a Dra. Joice Ferreira, pesquisadora da EMBRAPA Amazônia Oriental, tenha recebido a premiação por ‘Engajamento Ecológico’ da BES (‘BES Ecological Engagement Award’) em 2019. Nos últimos 10 anos, a Dra. Joice tem liderado a integração da ciência ecológica na formulação de políticas públicas relacionadas à agricultura, conservação de florestas e ao uso e manejo da terra, e tem sido uma voz ativa nos debates ambientais para a tomada de decisões no Brasil.

No século 19, os ecossistemas hiperdiversos do Brasil foram fundamentais para os avanços ecológicos e evolutivos dos naturalistas Bates, Darwin e Wallace. Hoje, pesquisadores brasileiros se destacam ao abordar essas questões fundamentais, fornecendo informações relevantes em nível mundial sobre processos e teorias ecológicas. Por exemplo, pesquisas recentes ajudaram a entender o papel da segregação de nicho hidrológico e das características do solo para a coexistência e mudanças na distribuição espacial de plantas (Brum et al., Abrahão et al.), bem como a variação sazonal em complexas redes de interações plantas-polinizadores. A complexidade dos sistemas ecológicos vem sendo explorada por estudos demonstrando que a especialização de nicho é contexto-dependente, o papel potencial das interações indiretas na regulação das populações, e as relações entre a tipologia das redes tróficas com a estabilidade populacional. Os cientistas brasileiros também estão na vanguarda de novos avanços metodológicos, desde a detecção automatizada de navios para o monitoramento marinho até o uso de registros de ocorrência das espécies para o mapeamento de gradientes do solo em áreas pouco estudadas.

Com tantos artigos agora publicados por cientistas de instituições brasileiras, foi difícil escolher os estudos para esse editorial, e somos muito gratos a Tadeu Siqueira, Ricardo Solar, Rafael Zenni, Elizabeth Nichols, Julio Louzada, Gabriela Bielefeld Nardoto, Rafael Zenni, Mariano Rodriguez-Cabal, Luísa Carvalheiro, Pedro Peres-Neto e Enrico Rezende pela seleção dos 23 artigos apresentados na edição virtual.

No entanto, é válido ressaltar que a ecologia, os ecólogos e ecólogas em todo o mundo enfrentam um futuro cada vez mais incerto. Os grandes cortes no orçamento e as represálias contra a integridade científica levam à uma crescente preocupação com o futuro da ciência ecológica e da proteção ambiental no Brasil. Em um mundo em constante transformação, acreditamos que ciência de qualidade seja mais necessário do que nunca. Portanto, esperamos que a talentosa comunidade de ecólogos e ecólogas do Brasil seja apoiada para continuar fornecendo soluções inovadoras para questões ambientais e desvendando os segredos ecológicos de alguns dos mais diversos ecossistemas do mundo.

Jos Barlow
Executive Editor, Journal of Applied Ecology

All articles in the Ecology in Brazil Virtual Issue are free to read for a limited time here.

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