Rafael D. Zenni, Tadeu Siqueira e Ricardo Solar
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A ciência ecológica brasileira cresceu imensamente nas últimas décadas, com o florescimento de vários cursos de pós-graduação bem-sucedidos em todo o país dedicados ao tema e um número crescente de pesquisadores dedicados a entender muitos aspectos da imensa biodiversidade do país. Em 2008, havia 35 cursos de pós-graduação em Ecologia no Brasil e em 2014 já eram 59 cursos de pós-graduação e oito de graduação em Ecologia. Em 2019, 68 cursos de pós-graduação em Ecologia funcionavam no Brasil. Embora esta ainda seja uma porcentagem muito pequena (1,5%) dos 4.581 cursos de pós-graduação existentes no Brasil, o crescimento observado na década passada é surpreendente. O Brasil agora tem mais ecólogos treinados do que nunca.
O Brasil é o país mais biodiverso do mundo, abrigando 20% das espécies de plantas do mundo, 14% dos anfíbios, 17% das aves e 14% dos peixes apenas para citar alguns grupos. Com sua vasta área (5º maior país do mundo), o Brasil também abriga seis biomas distintos (Amazônia, Cerrado, Caatinga, Pantanal, Mata Atlântica e Pampa). No entanto, o Brasil também possui um dos maiores sistemas agrícolas do planeta, uma população humana crescente com crescente demanda por infraestrutura, recursos naturais e gestão de resíduos. Assim, existem grandes pressões para a conversão de habitats naturais, fragmentação de ecossistemas, emissão de poluentes e introdução e disseminação de espécies exóticas invasoras. Claramente, existem grandes desafios e não falta de trabalho para ecólogos no Brasil.
Ecólogos no Brasil trabalham em uma miríade de frentes de pesquisa e gestão e há inúmeros projetos e iniciativas maravilhosas sendo realizados por esses pesquisadores de todo o país e internacionalmente. Com a edição virtual Ecologia no Brasil a British Ecological Society reconhece e valoriza as contribuições que a pesquisa ecológica com base no Brasil faz para o avanço global da ecologia e da gestão ambiental. Nós, como editores do Journal of Applied Ecology, selecionamos alguns artigos publicados recentemente no periódico que acreditamos representar o cenário da Ecologia Aplicada no Brasil hoje, tanto do ponto de vista da pesquisa quanto da prática ecológica. Com isso, saudamos aqui todos os pesquisadores, estudantes e profissionais incansáveis, criativos e entusiasmados que trabalham com a Ecologia no Brasil.
A new approach to map landscape variation in forest restoration success in tropical and temperate forest biomes
o Brasil tem um plano para restaurar aproximadamente 170 M ha de terras desmatadas até 2030, e um grupo de pesquisadores brasileiros e internacionais recentemente propôs maneiras de maximizar a eficácia dos resultados da restauração para esse fim. Isso é muito bem-vindo, pois evidências anteriores indicam que a variação nos resultados da restauração florestal pode ser tão alta que, em certas circunstâncias, pode ser considerada quase imprevisível. Crouzeilles e colaboradores desenvolveram uma abordagem para identificar paisagens desmatadas onde a recuperação da biodiversidade seria maximizada pela restauração florestal. Primeiro, eles analisaram 135 paisagens em ecossistemas tropicais e temperados em todo o mundo e descobriram que a quantidade de cobertura florestal restante nessas paisagens modificadas pode ser usada para explicar e prever variações no sucesso da restauração florestal. A explicação para isso é simples: mais áreas florestais nas paisagens aumentam a chance de sucesso na restauração, pois esses fragmentos de floresta restantes podem atuar como fontes de propágulos, melhorando a conectividade espacial. Em seguida, eles usaram esse conhecimento para mapear prioridades para a restauração florestal que maximizariam os resultados de custo-efetividade em biomas específicos no Brasil, Uganda e EUA – países onde os custos de implementação da restauração estavam disponíveis. No Brasil, o Pacto de Restauração da Mata Atlântica visa restaurar 1 M ha nas florestas tropicais e subtropicais de folhas largas e úmidas. Crouzeilles e colaboradores descobriram que a Mata Atlântica está entre os biomas com as maiores áreas potencialmente restauráveis e a menor variação paisagística no sucesso da restauração. As principais implicações deste estudo são claras: 1) A cobertura florestal pode ser usada para identificar paisagens com maior potencial a serem restauradas. É importante notar que aqui estamos falando de paisagens que eram naturalmente cobertas por florestas no passado. Os resultados deste estudo não devem ser extrapolados para biomas não florestais, como o Cerrado Brasileiro; 2) Áreas com maior potencial a serem restauradas podem ser priorizadas para reduzir os riscos da implementação de projetos de restauração. Também é importante notar que os autores reconhecem que as paisagens com baixa cobertura florestal não devem ser completamente desconsideradas como alvos para restauração; eles sugeriram que o planejamento de iniciativas de restauração nessas áreas deveria ser feito com mais cuidado e considerando aspectos além da recuperação da biodiversidade.
A landscape approach for cost‐effective large‐scale forest restoration
O alcance de metas globais para a restauração florestal exige estratégias econômicas, minimizando os custos de implementação e os resultados negativos para a produção agrícola. Neste estudo, Paulo Molin e colegas desenvolveram um modelo de paisagem para otimizar a relação custo-benefício de restauração florestal de grande escala em três paisagens diferentes dentro do hotspot da biodiversidade da Mata Atlântica. Seu modelo fornece uma nova abordagem para estimar o custo total da restauração florestal em grandes escalas da paisagem. Também provendo evidência clara de que priorizar a restauração de baixo custo é uma abordagem essencial para aumentar a escala de restauração do nível local ao nível da paisagem. Mesmo em paisagens com baixos níveis de cobertura florestal, com prioridade para a restauração de baixo custo por meio de regeneração natural poderia aumentar a relação custo-eficácia.
Landscape structure regulates pest control provided by ants in sun coffee farms
discussões sobre os serviços ecossistêmicos prestados por insetos nos agroecossistemas são um tópico muito importante para o Brasil, já que nosso país está entre os produtores mais importantes de culturas agrícolas do mundo (por exemplo, milho, soja, café;). No entanto, a mudança de paisagem e a degradação do habitat causada pelos seres humanos têm causado graves perdas de biodiversidade e serviços ecossistêmicos. O controle de pragas se destaca entre os serviços ecossistêmicos dos quais os agroecossistemas se beneficiam e o entendimento dos efeitos da integridade da paisagem nesse serviço é crucial para gerenciar corretamente a terra e lucrar com a conservação da biodiversidade. Em um estudo realizado por Aristizábal & Metzger eles analisaram o efeito da estrutura da paisagem (isto é, em termos de cobertura florestal e agrícola) no controle de pragas fornecido por formigas para as lavouras de café no Brasil. O estudo apresenta evidências experimentais, utilizando exclusão de galhos a longo prazo, de que, quando as formigas estão presentes, há uma redução de 40% na presença e danos na broca do café. Surpreendentemente, esse benefício é maior em paisagens com menos de 40% de cobertura florestal em um buffer de 2 km e aumenta com a distância da borda da floresta, demonstrando que as formigas adaptadas à matriz são de fato responsáveis pelo controle da broca do café. Apesar de tais resultados inesperados, conforme relatado pelos autores, seu estudo revela a importância das formigas para o controle de broca do café em fazendas de café à sol e destaca a importância do planejamento da paisagem para o manejo de terras agrícolas no Brasil. Eles também chamam a atenção para que as fazendas possam sustentar com segurança c. 35% da floresta, mantendo ainda este importante serviço prestado pelas formigas.
Fire management in the Brazilian savanna: First steps and the way forward
Por muitos anos, o Brasil adotou uma política de zero fogo para áreas protegidas, em grande parte impulsionada pela visão de que o fogo era principalmente induzido pelo homem e, portanto, causava degradação ambiental. Embora verdadeiro para vários ecossistemas, o fogo dos ecossistemas de savana tem um papel importante na formação de sua estrutura e biodiversidade. Além disso, as comunidades locais usam incêndios há décadas como parte de suas práticas de cultivo da terra. Consequentemente, tentar evitar todos os incêndios no Cerrado não levou a uma conservação efetiva da biodiversidade. Um estudo realizado por Isabel Schmidt e colaboradores avaliou um programa piloto de gerenciamento integrado de incêndios realizado no Cerrado brasileiro com o objetivo de melhorar a capacidade do país de conservar a biodiversidade, melhorar a comunicação com as comunidades locais e diminuir os custos de combate a incêndios. O estudo demonstra uma mudança de paradigma para as estratégias brasileiras de conservação da biodiversidade e aponta um caminho a seguir para o avanço da pesquisa, política e gestão no Cerrado.
Is environmental legislation conserving tropical stream faunas? A large‐scale assessment of local, riparian and catchment‐scale influences on Amazonian fish
As taxas atuais de intensificação e mecanização agrícola em paisagens tropicais são sem precedentes. A expansão e a intensificação agrícola são grandes ameaças à biodiversidade brasileira, não apenas para o desmatamento da vegetação natural, mas também porque provoca outros distúrbios induzidos pelo homem. No entanto, os quadros legislativos existentes com foco na proteção da vegetação ribeirinha parecem insuficientes para conservar os ambientes dos riachos e suas assembléias de peixes. Em seu estudo, Cecília Leal e colegas usaram um conjunto de dados sobre a condição ecológica de 83 córregos de ordem baixa em três bacias hidrográficas no leste da Amazônia brasileira para avaliar até que ponto os peixes de córrego estão sendo efetivamente conservados em paisagens agrícolas. Eles encontraram níveis muito altos de rotatividade de espécies, mesmo dentro da mesma bacia hidrográfica, destacando a importância de medidas de conservação além das áreas protegidas. Eles também descobriram que as mudanças na abundância de peixes estavam mais fortemente associadas às pressões de habitat em cadeia do que às variáveis mais frequentemente abordadas pela legislação ambiental brasileira, como aquelas relacionadas a medidas ripárias e em escala de paisagem da cobertura florestal. Eles concluem que, para proteger a biota de água doce rica em espécies de pequenos riachos da Amazônia, as ações de conservação devem mudar para o gerenciamento de bacias inteiras e redes de drenagem, bem como práticas agrícolas em terras já desmatadas.
Há um foco claro para a Ecologia Aplicada no Brasil de abordar questões intimamente relacionadas à política ambiental atual com o objetivo de fornecer fatos e conhecimentos para uma tomada de decisão e gestão dos recursos naturais bem informadas. Tanto em paisagens naturais quanto em agroecossistemas. Muitas lições valiosas foram aprendidas e continuam sendo aprendidas, pois a ciência nunca descansa. É nosso desejo que a Ecologia Aplicada Brasileira mantenha e sustente seu crescimento espetacular recente e se torne uma liderança global em Ecologia Aplicada pela produção de pesquisa de alta qualidade, por formação de pesquisadores de alto nível, e por colaborar com pesquisadores de todo o mundo. Esperamos que você goste de ler a edição especial Ecologia no Brasil.
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