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Carniça é algo que as pessoas evitam: é algo visualmente desagradável, cheira muito mal… é simplesmente horrível. Entretanto, os animais envolvidos na decomposição da carniça tem um papel chave na funcionalidade do ecossistema. Animais necrófagos (i.e., que se alimentam de carniça) como os urubús, alguns mamíferos e insetos, previnem a acumulação de carcaças, facilitam a distribuição e ciclagem de nutrientes, enriquecem a fauna do solo e previnem a dispersão de doenças, como a raiva e a ebola. Estes benefícios que estes animais trazem para o ser humano são chamados de serviços ecossistêmicos.
Nós achamos que a carniça e os animais carniceiros compõem um sistema interessantíssimo de estudo. A carniça, por exemplo, atrai uma diversidade imensa de insetos de diferentes ordens, incluindo formigas, besouros e moscas. Ademais, o processo de colonização por diferentes organismos é bastante complexo, e existe um momento especifico ao longo do processo de decomposição que diferentes animais são atraídos ou repelidos da carniça, de modo que a composição da comunidade de carniceiros muda ao longo do tempo. Ainda, o contexto ambiental onde a carniça está depositada também interfere nesse processo de colonização e no sucesso da remoção. Nós decidimos usar este tema para desenvolver a dissertação de mestrado do Sebastian junto ao Departamento de Ecologia da Universidade de São Paulo (USP) no Brasil, usando experimentos de exclusão de insetos carniceiros e uma perspectiva de paisagem, para avaliar a remoção de carniça por insetos necrófagos.

Compreender a relação entre as comunidades biológicas e a provisão de serviços ecossistêmicos na luz da ecologia da paisagem pode ajudar a promover estratégias de manejo visando a promoção de paisagens mais sustentáveis. Deste modo, nós testamos o impacto da estrutura da paisagem e do tipo de matriz agrícola afetando a remoção de carniça por insetos necrófagos – uma relação que até onde sabemos, ainda não está compreendida. Nós comparamos a riqueza e composição de espécies de insetos necrófagos em florestas nativas e nas matrizes agrícolas adjacentes (plantações de café e pastagens), seguindo um gradiente de cobertura florestal e fragmentação da paisagem na Mata Atlântica brasileira.
Um dos nossos principais resultados é que a fragmentação da vegetação nativa levou a um aumento do numero de espécies de insetos carniceiros. Entretanto, essas comunidades ricas de insetos carniceiros em ambientes fragmentados são dominadas por espécies associadas à matriz e contribuem muito pouco para a remoção de carniça. As comunidades mais efetivas no processo de remoção foram comunidades compostas por poucas, mas espécies muito efetivas – como os besouros rola-bosta. Assim, reforçamos a importância de se ter o conjunto de espécies ‘adequado’, visando promover o aumento do serviço de remoção de carniça. Mas como promover esse conjunto de espécies adequado? Em nosso estudo, os insetos mais efetivos foram espécies associadas aos ambientes florestais (i.e., moscas da família Mesembrinellidae, besouros rola-bosta, e besouros da família Silphidae), que em geral também possuem maior tamanho corporal. Um maior tamanho de corpo ajuda na manipulação e consumo de maiores quantidades de carniça, resultando em maior efetividade na remoção. Nós também encontramos que um aumento na cobertura de vegetação nativa na escala da propriedade rural (200m) aumenta significativamente a riqueza de espécies eficientes para a promoção do serviço de remoção de carniça. Logo, manter a floresta em pé próxima aos cultivos pode favorecer o serviço de remoção de carniça.

Ainda, nós encontramos que o serviço de remoção de carniça foi muito eficiente não somente nos fragmentos florestais, mas também nas plantações de café, enquanto a remoção de carniça foi extremamente reduzida nas pastagens. A provisão deste serviço nas plantações de café é um resultado da presença de espécies florestais nos cafezais via um processo que chamamos de spillover (o movimento de espécies de um ambiente para outro para fins de dispersão ou forrageio), o qual é praticamente inexistente nas pastagens. Este processo é normalmente intensificado em paisagens mais florestadas e em matrizes agrícolas mais permeáveis (i.e., de menor contraste, como as plantações de café).
Nós agradecemos aos agricultores da região que concederam acesso as suas propriedades para o desenvolvimento deste projeto de pesquisa. Também agradecemos a Welton Luis Antonio por toda sua ajuda e suporte no desenvolvimento do trabalho de campo. Esta pesquisa teve suporte da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), do Conselho Nacional de Desenvolvimento científico e tecnológico (CNPQ) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (CAPES).
The full paper Higher forest cover and less contrasting matrices improve carrion removal service by scavenger insects in tropical landscapes in Journal of Applied Ecology.
2 thoughts on “Maior cobertura florestal e matrizes menos contrastantes melhoram o serviço de remoção de carniça por insetos necrófagos em paisagens tropicais”